AS TRANSGRESSÕES DO RABINO
O GLOBO - MARÇO DE 1996
Luciana Hidalgo


Nilton Bonder lança 'A alma imoral', reformulando os antigos conceitos da tradição judaica

Nilton Bonder é rabino, profundo conhecedor da tradição judaica, e é justamente nos ensinamentos mais conservadores que ele busca inspiração para afirmar: "A verdadeira alma é transgressora." O mote atravessa as 135 páginas de "A alma imoral" (livro da editora Rocco que será lançado na próxima terça-feira, no Jockey Club) e abala raízes seculares ao inverter conceitos, questionar a validade da fidelidade de fachada e desafiar a hipocrisia social.

A idéia de imoralidade existe desde que o mundo é mundo, que o homem é homem, e transparência moral nunca foi mesmo o forte da raça humana. Mas ler as conclusões de "A alma imoral" sabendo-se que vêm de um rabino atuante (Nilton é líder espiritual da Congregação Judaica do Brasil) é no mínimo uma surpresa.

A leitura da obra de Nilton Bonder pode ser um alívio para a culpa judaico-cristã que assombra religiosos ao longo dos milênios. E mais: o autor costura seu texto com retalhos extraídos das próprias escrituras. Com alguma coragem e muito conhecimento dos testamentos, ele une religião e imoralidade, bem e mal. "O certo e o errado são sempre situações relativas e não absolutas", afirma o autor.

Nilton vai buscar em Adão e Eva a origem do engano. Sua leitura do pecado original é muito simples: se Deus colocou os dois no paraíso, lhes deu o objetivo de se multiplicar e também lhes ordenou que não comessem o fruto proibido, ali havia uma norma pronta para ser rompida. E por quê? Pelo simples fato de que transgredir faz parte da natureza humana.

E assim caminha o autor, alternando tradições e traições. O rabino não tem falsos pudores em afirmar: "Há casamentos que, apesar de se conduzirem aparentemente dentro de normas de fidelidade, já esboça movimentos de traição. (...) É mais perniciosa a hipocrisia que se dissimula como conduta exemplar, gerando conseqüências de várias ordens tão ou mais nocivas, do que o adultério. Muitas doenças emocionais, perversões e violências dentro da família são resultados do ato de enganar a si mesmo."

Nilton mostra exemplos incontáveis de transgressões nos textos antigos: Abraão, Moisés e Jesus, a seu ver, desafiaram de alguma forma conceitos vigentes. E ele próprio é um rabino não convencional, escritor de sucesso ("A cabala do dinheiro" e outros venderam mais de 500 mil exemplares no Brasil e EUA), que analisa as tradições do povo judeu com uma liberdade incomum. Um raro olhar religioso que mostra verso e reverso sem preconceito ou "mea culpa".
(Luciana Hidalgo)