UM RABINO O CAMINHO DAS PEDRAS
O GLOBO - LIVROS - 02/JAN/1994
LUCIA RITO

A ARTE DE SE SALVAR - SOBRE DESESPERO E MORTE
Nilton Bonder
Editora Imago. 204 pgs

Quem acompanha a carreira do jovem rabino Nilton Bonder não vai se surpreender com o assunto escolhido em "A arte de se salvar", seu sétimo livro. Ele gosta de temas polêmicos e desta vez aborda a questão da finitude, da esperança e do consolo, analisando como nos comportamos diante da perspectiva da morte. E mostra como evitar, ao simples pressentimento de que ela está próxima, que se instaurem no nosso dia-a-dia o caos e a desordem.
São questões comuns a todos, mas pesadas demais para serem lidas confortavelmente pelo público comum. Ninguém gosta de se saber mortal. A experiência de quem passou por uma doença grave e sobreviveu revela como até mesmo os amigos mais íntimos se sentem ameaçados ao lidar com a perspectiva da perda. Esses temores certamente vão aflorar na cabeça dos fãs do rabino. Por isso "A arte de se salvar" parece ser o seu livro menos "popular". Talvez não desperte imediatamente a mesma empatia de seus títulos mais conhecidos - "A cabala da inveja" e a "A cabala do dinheiro" que tratavam de temas mais "simpáticos".

Nilton Bonder sugere a utilização, no nosso cotidiano, do cOmando que na linguagem da informática recebeu o nome de "salvar" para armazenarmos na memória os arquivos de nossa individualidade, como uma espécie de salvo-conduto para fazer frente aos momentos em que pensamos não ter saída. A comparação é estimulante à primeira vista, mas a arte de convencer o leitor se revela uma tarefa árdua. Isso porque os livros de auto-ajuda, que vendem milhões, tratam de assuntos leves, capazes de despertar de imediato a simpatia do leitor. Quem não gostaria de encontrar a fórmula mágic para ser bem-sucedido, evitar o baixo astral, lidar com o sucesso, a inveja, o dinheiro? Em "A arte de se salvar" o enredo não é tão agradável: ele apresenta uma perspectiva sinistra, um cardápio sofrido, com o qual evitamos lidar. Mas é exatamente por ir contra a maré do oba-oba e abrir caminho para uma reflexão mais produtiva que o novo livro de Nilton Bonder merece ser lido com interesse. Como nos seus textos anteriores, que fogem ao imediatismo e à superficialidade comuns na literatura de auto-ajuda, ele utiliza as tradições e ensinamentos judaicos como seus aliados.

A idéia de escrever "A arte de se salvar" surgiu depois que Bonder trabalhou com pacientes terminais no Memorial Sloan Kettering Hospital, em Nova York, e junto a vítimas da Aids no Brasil. Através dos ensinamentos de um mestre do século XVIII, Reb Nachman, que tratava o desespero "como uma fonte de ilusão ou de patologia existencial", ele monta um interessante quebra-cabeças e convida a todos a joga-lo nas horas mais dramáticas.

Liderança alternativa no mundo rabínico do Brasil, Nilton Bonder foI ordenado rabino pelo Jewish Theological Seminary e é engenheIro mecanico formado pela universidade de Columbia. Depois de trabalhar como pesquisador do Jewish Museum em Nova Yotk e de organizar a coleção ibérica de manuscritos raros do seu seminário (que tem a maior biblioteca judaica desde Alexandria, no seculo III) ele voltou ao Brasil, onde vem reali
zando projetos bem sucedIdos para popularizar as tradições judaicas no país.
Bonder se destaca por se envolver ativamente com outras comunidades religiosas, tecendo uma inesperada ponte entre grupos de crenças distintas. Foi secretário do Instituto de Estudos da Religião no Rio - cargo nunca antes ocupado por um judeu - participou da rio-92 e atualmente está engajado na campanha do sociólogo Herbert de Souza contra a fome. O "rabino verde", como é conhecido, também está ligado às questões ecológicas, demonstrando estar mais antenado do que nunca com os novos tempos.

Com um currículo tão combativo, o que Nilton Bonder tem a dizer aos leitores de "A arte de se salvar" é que "a descida é uma necessidade intrínseca da ascensão", e que é possível utiliar medidas "sanitárias" para combater os focos de desespero. Dito assim, parece um pouco leviano, mas o que não se pode reclamar, depois de lido o livro, é de falta de seriedade de propósitos e de consistência intelectual.

Autoajuda sem preconceito
DANIELA KRESCH

Não é o milagre da multiplicação, mas o rabino Nilton Bonder transformou em pentalogia o que estava programado para ser, em princípio, apenas uma trilogia. Seus livros mais conhecidos, "A cabala da comida", "A cabala do dinheiro" e "A cabala da inveja" tinham como objetivo explicar um pouco da tradição judaica a partir de três temas básicos, que tocam justamente na imagem esteriotipada que os judeus carregam mundo afora. Com seu novo livro, "A arte de se salvar - Sobre desespero e morte" - que se junta a "O crime descompensa", lançado em dezembro de 1992 - Bonder tocou em mais dois aspectos: a morte e a ética.

O "pentateuco" de Bonder, no entanto, pode ganhar mais um volume. Aos 35 anos, com sete títulos lançados em sete anos de rabinato, ele tem planos de escrever sobre mais um assunto, talvez o mais polêmico: sexo. Vendido como autor de livros de auto-ajuda, Bonder rejeita em parte o rótulo. A seguir, o autor conta como foi dado o título do livro e o que ele revela.

O GLOBO - Como você vê a exposição de suas obras em prateleiras de livros esotéricos e de auto-ajuda?
NILTON BONDER - Eu não tenho muito preconceito em relação ao rótulo auto-ajuda. Mas no momento em que há uma inundação desses livros no mercado editorial brasileiro, acaba ocorrendo um empobrecimento enorme. Sinto uma certa vontade de diferenciar meus livros, porque eles não são manuais ou receituários. "A cabala do dinheiro", por exemplo, não ensina ninguém a ficar rico, como muitos livros de auto-ajuda prometem. Apesar disso, não vou ficar neurótico e sair negando que meus livros se encaixam no gênero.

O GLOBO - Como foi a escolha do título? Por que evitou a fórmula "A cabala..." de seus outros livros? A idéia foi sua?
BONDER - Não. Eu queria chamá-lo de "Um oitavo de morte", porque a tradição judaica diz que quem está vivo carrega consigo pelo menos um oitavo de morte o tempo todo. O sono, por exemplo, é o equivalente a um sexto de morte, segundo o Talmud. Mas os editores disseram "morte" era uma palavra pesada demais, que iria assustar as pessoas. Acabei concordando com o trocadilho que envolve a palavra "salvar", referindo-se à tecla "save" dos computadores, e isso foi um consolo. Não é "salvar" no sentido de "salvação da alma", mas no de "guardar-se". O título, então, saiu de um acordo com os editores, mas o subtítulo "sobre desespero e morte" foi uma 'exigência minha, para não iludir o público sobre o que ele vai ler.

O GLOBO - Como você definiria o livro?
BONDER - Ele tem como tema a angústia da finitude. Essa coisa de você se esforçar para escrever livros, para ter uma vida honesta, e, de repente, tudo acabar. E como se uma voz chamasse: "o próximo!", e pronto. Isso pode levar as pessoas a dois tipos de comportamento: ter uma crença absoluta no discurso religioso - que promete uma existência melhor do outro lado ou a levar a vida hedonisticamente, já que tudo vai acabar mesmo, e os "arquivos" serão todos perdidos. A idéia era escrever um livro explicando de que formas, durante a vida, o ser humano tem oportunidade de apertar essa tecla "save" e não ter a sensação de que tudo vai se perder, de que as pessoas são bombas-relógio ambulantes, com o tempo correndo contra elas.


O GLOBO - "A arte de se salvar" serve para ajudar pessoas que sofreram perdas ou doentes em estado terminal. É um livro de consolo?
BONDER - De certa forma, sim. No livro tem algumas histórias relacionadas ao assunto finitude, além de "sacações" de alguns rabinos, principalmente Reb Nachman de Bratslav, que foi um homem muito doente, mas que fazia caretas para o desespero. A imagem que eu tenho dele é muito parecida com a do Betinho: uma pessoa que, apesar
de tudo, não se entrega. Mas o livro não se encaixa exatamente naquela literatura do tipo: "eu fiquei doente e me salvei". Ele é mais genérico, não entra em detalhes das grandes dificuldades e desgraças do mundo.


O GLOBO - Com esse tema, já são cinco os assuntos dos quais você já falou em seus livros: comida, dinheiro, inveja, ética e morte. Tem algum que ficou de fora?
BONDER - Tem: a sexualidade. Eu talvez me atreva a escrever sobre traição, fidelidade, homossexualismo... Tudo isso com conteúdo e a ousadia, pois eu estou certo de que vão exigir de mim uma sinceridade extrema. Mas, como o assunto é complexo e eu acabo de sair de uma rodaviva de trabalhos, ainda vai demorar um pouco para eu entrar de cabeça em um novo projeto.