RELIGIÃO RECICLADA
o rabino Nilton Bonder une fé e ecologia
O GLOBO - BARRA - PÁGS. 20 À 24 - 21/MAR/1996
Fernando Krieger

FÉ, TRADIÇÃO E RENOVAÇÃO
O sacerdote do judaísmo que une religião, ecologia e problemas sociais

A rotina do rabino Nilton Bonder é trepidante, mas não se resume à religião. Ele corre, nada, faz ginástica, joga tênis, sempre procurando manter o corpo em sintonia com a mente. Antenado com os problemas do país, preside uma organização não-governamental ligada a direitos civis, causas sociais e religião. Vegetariano, é um militante engajado em grupos de defesa da ecologia. Adora a praia e o mar, como todo garoto criado em Ipanema. Já teve a sua fase roqueira, mas hoje está mais em sintonia com a música clássica e com as canções da tradição judaica. Autor de best sellers consagrados pela crítica e pelo público, escreve até o final deste ano um novo livro, ainda sem título, sobre a questão da hipocrisia. Tanta agitação não o impede de celebrar cultos religiosos em sua sinagoga, a única da Barra da Tijuca. E ainda sobra tempo para tomar aquele chopinho.

A pouca idade - 38 anos, aparentando bem menos - e os traços marcantes da sua personalidade fazem que Nilton Bonder seja considerado por muitos um rabino muito avançado, um líder judeu com idéias bastante liberais. Ele garante que não prega nada além do que diz a tradição judaica. E acrescenta que os oito livros que escreveu contêm os mesmos ensinamentos antigos repassados durante incontáveis gerações, só que adaptados para um público mais jovem.

- O meu único mérito é estar traduzindo os ensinamentos em uma linguagem que chega às pessoas. As tradições judaicas trazem o pensamento de gente que viveu situações de vida e de morte, e essas vozes do passado têm muito a dizer. Eu organizo um material antigo de modo que ele possa tornar-se relevante para as pessoas do nosso tempo - diz.

Gaúcho de Porto Alegre, Bonder tinha 6 anos quando desembarcou no Rio, direto em Ipanema. Criado com muita praia, aprendeu desde cedo a cuidar do corpo tanto quanto da mente.

- Eu me enquadro na realidade que vivi quando garoto. Com relação a este casamento mente/corpo, se a gente olhar as fontes da tradição há toda uma recomendação para que se tenha uma vida saudável, um equilíbrio entre a parte intelectual e espiritual e a vida física. Há milênios fala-se que o corpo é o meio pelo qual se experimenta a vida. Antes havia uma dicotomia alma x corpo; hoje as duas coisas estão ligadas.

Engenheiro, iniciou seus estudos na PUC carioca. Na metade do curso, tinha a
certeza de que seguiria o rabinado. Mas, para se tornar um rabino, precisava de um diploma superior. Formou-se na Universidade de Columbia, em Nova York, e já no último período da faculdade cursava o Jewish Theological Seminary, onde foi ordenado em 1986, aos 28 anos.

- As pessoas acharam estranho, pois elas estão acostumadas com o estereótipo do rabino de mais idade. Quando eu me formei, em termos brasileiros foi uma coisa pioneira, mas hoje em dia é mais normoal; há muitos rabinos jovens - revela.

A sinagoga da Barra da Tijuca, que Bonder construiu com a colaboração do arquiteto Hélio Pellegrino Filho, do designer Antônio Bernardo e do paisagista Burle Marx, é a sua segunda casa. Na Rua Professor Milward 65, no sopé da Pedra da Gávea, cercado de verde e de um silêncio incomum ao bairro, o rabino dá orientações a pessoas com problemas que vão atrás de auxílio e conforto. O computador em seu gabinete, maior exemplo da harmonia entre tradição e modernidade, o ajuda na tarefa de escrever os livros e organizar o cronograma dos cultos, casamentos, batizados e demais cerimônias.

- Os cultos acontecem duas vezes por dia, mas os dois momentos principais e mais freqüentados ocorrem na noite de sexta-feira e na manhã de sábado, dia do descanso para a comunidade judaica. Eu procuro estar presente na maior parte dos cultos, principalmente nos sermões. A sinagoga funciona como um centro comunitário, com palestras e cursos, atividades para as pessoas idosas e aulas sobre a tradição, para as crianças, além de grupos de estudos para adultos. A grande maioria que vem aos cultos é da religião judaica, mas também há muita gente que não faz parte da comunidade.

Atualmente, além das suas funções de rabino e escritor, Nilton Bonder preside desde setembro o Instituto de Estudos da Religião (Iser), que existe há 30 anos e trabalha de parceria com o Viva Rio. Segundo o rabino, é uma ONG voltada para a questão social, com programas que abrangem vários temas, como Aids, violência,prostituição, prisões e crianças.

- Existe um lado ecumêniço de se tentar uma integração entre as religiões, mas também há um lado muito forte que tem relação com a questão social do país.

FUGINDO DO RÓTULO DA 'AUTO_AJUDA'

A carreira de escritor teve início quando Nilton Bonder percebeu que as pessoas sabiam bastante sobre os judeus, mas muito pouco sobre a religião judaica em si. Em seguida, cresceu o desejo de se dirigir a um público maior do que o da sinagoga. Através de seus livros, entre eles a trilogia "A dieta do rabino - a cabala da comida", "A cabala do dinheiro" e "A cabala da inveja", que alcançou sucesso de crítica e de vendas, Bonder firmou-se como autor de best sellers, mas não escapou de ver seus livros rotulados como sendo de "auto-ajuda".

- Eles não têm nada a ver com os do Paulo Coelho ou os do Lair Ribeiro, por exemplo. O Paulo Coelho trabalha em uma área mais esotérica e o Lair Ribeiro com manuais de "como fazer as coisas": ganhar dinheiro, fazer sucesso. Se alguém quiser ficar rico com "A cabala do dinheiro", não vai ficar. É um livro para se pensar sobre o dinheiro. Quanto à questão da auto-ajuda, as religiões são os primeiros desejos de se criar um processo de crescimento para o ser humano, para que ele se auto-ajude e tenha uma vida melhor. Mas esta auto-ajuda não tem nada a ver com os livros que se propõem a ser um manual.


Na área da política, Nilton Bonder diz não ter preferência por nenhuma sigla, mas admite que tende a votar em partidos de centro-esquerda. Normalmente, vota de acordo com o candidato, como em 1986, quando declarou o voto a favor de Fernando Gabeira, o que lhe valeu o apelido de "rabino verde".

- Eu tenho envolvimento com a ecologia, sou engajado em grupos de defesa ecológica. Mas há uma tendência nas pessoas de rotular as coisas. Eu acredito que qualquer um que esteja engajado em causas sociais tem que ser um pouco verde, tem que ter uma certa militância.

Dos cinco anos e meio que morou em Nova York - que considera sua segunda cidade - Nilton Bonder traz boas recordações da integração entre a comunidade judaica e a cultura americana. Com relação ao Brasil, o rabino afirma que a realidade dos judeus no país é bem diferente.

- Lá nos Estados Unidos há " judeus folclóricos, que andam pelas ruas, há a parte gastronômica, que é muito forte, e a comunidade judaica é numericamente grande, muito expressiva. Aqui no Brasil, devem existir hoje cerca de 150 mil judeus. E deve ser a última religião na preferência dos brasileiros. Qualquer denominação católica, protestante, espírita e afro-brasileira é numericamente maior.

ATRAVÉS DE PARÁBOLAS, O SABOR DE UMA BOA LEITURA

Nilton Bonder já passou da casa dos 500 mil livros vendidos. O último, "O segredo judaico de resolução de problemas", lançado em 1995, está seguindo o mesmo caminho dos anteriores. Segundo Eduardo Salomão, diretor-executivo da Editora Imago, que prepara o lançamento da "trilogia da cabala" no mercado americano, pelo menos cinco livros do rabino chegaram à lista dos mais vendidos.

- As razões que explicam o sucesso do Nilton têm a ver com o fato de ele ser um rabino em sintonia com os problemas de seu país e de seu: tempo. Ele tem facilidade em identificar Uma parte da cultura judaica de grande interesse para o leitor. Além disso, é um autor ímpar, porque se interessa pelos livros e tem um carinho especial pelo que faz - resume Salomão.

Nilton Bonder usa a linguagem das parábolas e das metáforas para falar de assuntos cotidianos. Abaixo, alguns de seus livros mais vendidos:

. A dieta do rabino - A cabala da comida (1989): Mostra que, através do corpo, chega-se à alma. Alcançou o segundo lugar na lista dos mais vendidos.
. A cabala do dinheiro (1991): Ensina as pessoas a repensarem a questão do dinheiro e da riqueza.
.A cabala da inveja (1992): Fala da incapacidade do ser humano de aceitar o próximo. Livro de cabeceira do ex-presidente Fernando Collor antes do impeachment.
. O crime descompensa (1993): Trata da questão do poder e da impunidade no Brasil.
. O segredo judaico de resolução de problemas (1995): Ensina a se enxergar todos os ângulos, até os majs ocultos de um problema.


A BARRA CRESCEU MUITO, PARA O BEM E PARA O MAL

O sonho de construir uma sinagoga na Barra começou a se tornar realidade em 1990. Dois anos depois, Nilton Bonder veio morar no bairro. Admirador da região, diz que "aqui não há o atochamento que existe em Ipanema, Copacabana, Botafogo e outras regiões da cidade", afirmando que a Barra passa uma sensação muito agradável por misturar moradia e lazer.

- A Barra cresceu muito, para o bem e para o mal. A gente tem de tudo, mas o bairro foi perdendo sua qualidade campestre. Mas ainda se tem a sensação de chegar em casa ao entrar na Barra.

BATE-PAPO

. O que você levaria para o seu bairro - O bar Lagoa

. O cartão-postal do bairro - A praia e as lagoas

. Quem você expulsaria daqui - O pessoal que pratica jet-ski. Acho um crime, é um esporte muito forte para lagoas pequenas e causa um impacto ambiental muito grande. O trecho da lagoa na saída do túnel já foi uma área verde

. Programa em família - Ir ao Parque Chico Mendes

. Nota zero - Não haver um transporte de massa adequado para a Barra da Tijuca, como, por exemplo, sobre trilhos, para que as pessoas se desloquem sem que precisem de automóveis

. A musa do bairro - Minha esposa, Esther
. O que gostaria que todos os bairros tivessem e o seu tem? - O horizonte
. Se não fosse aqui, seria... - Em Manhattan, Nova York.