A ATUALIDADE DO SABER ANTIGO
JORNAL DO BRASIL - IDÉIAS/LIVROS - ENSAIO - 20/MAR/1993
Por Rose Esquenazi

O crime descompensa
Nilton Bonder
Imago, 180 páginas

Com ensinamentos bíblicos, o rabino Nilton Bonder propõe que o país repense a sua ética

Para mudar um país é preciso mudar primeiro a cabeça de seus habitantes. Depois de publicar A dieta do rabino, A cabala do dinheiro e A cabala da inveja, o rabino Nilton Bonder escreve O crime descompensa, um livro que pretende fazer com que os brasileiros repensem a sua ética, as suas frases feitas e as suas convenções. Tudo isso com o objetivo de transformar o país e fazer dele não um "imenso carnaval ou um terrível mar de culpa, mas um lugar mais digno de se viver.

Na opinião de Bonder, está na hora da ação Os brasileiros devem investir numa alma sem remendos, deixando de adotar os jeitinhos e assumindo de vez suas responsabilidades. Concorda que existe uma grave crise e cita o risco do ceticismo em vigor. O autor lembra uma história milenar para mostrar os perigos do individualismo levado a extremos. Um homem começou a fazer um buraco no barco onde estava; os outros passageiros reclamaram mas o sujeito retrucou, dizendo que ninguém tinha nada a ver com isso, afinal fazia o buraco debaixo do próprio assento.

Alguns ensinamentos judaicos, muito antigos, servem para esclarecer certas questões e não para jogar mais culpa nas mentes perdidas. Bonder avisa que as pessoas que se parecem muito boazinhas podem ser tão perigosas quanto aquelas que se mostram liberais ou humildes. O ponto não é esse. Os brasileiros andam oscilando entre a atitude ingênua e a perversa, uma situação que valoriza as ações espertas, safas mas nada sábias.

Nilton Bonder destrincha o ditado o crime não compensa. Para ele, não se trata de um valor, mas de uma crença que deveria ser questionada e aprimorada o mais rápido possível. Ao invés da idéia de compensação, o crime, na verdade, descompensa uma sociedade, porque há uma ligação profunda entre tudo e todos. A contradição está no cotidiano. Enquanto milhares de pessoas lutam para receber o mínimo, alguns roubam-- e muito - com a maior facilidade. Elas podem até pegar alguns anos de prisão, mas será um prazo mínimo, o que fará com que a sociedade acredite que, de fato, o crime compensa.

É contra essas e outras espertezas que Nilton Bonder se coloca. Por isso sugere que o Brasil não fuja à luta. É preciso estar preparado para rever tudo, ou o povo vai pagar um preço muito alto. Não adianta pensar que se trata de justiça pessoal, mas algo bem mais amplo. O rabino faz uma revisão dos 10 mandamentos não como um catálogo de culpa, mas como um cuidado contra a impunidade. "Onde não há punição, há impunidade." Pensando em encontrar uma perspectiva ética e moral para a sociedade, o autor entende que a única saída é educacionaI. "O nosso herói deve ser o mestre e não o médico, o sacerdote, o juiz ou o guru. D'us [é assim que o religioso se refere a Deus] só existe na educação, assim como a moral e a fraternidade. O bem-estar de um depende do bem estar do todo", ensina Nilton Bonder, que também é engenheiro e organizador da coleção de manuscritos raros da Biblioteca do Jewish Teological Seminary.