MERCADO DE TROCAS
JORNAL DO BRASIL - IDÉIAS/LIVROS - 17/AGO/1991
BEATRIZ KUSHNIR

A cabala do dinheiro
de Nilton Bonder.
Imago, 190 p.

"a gente não quer só dinheiro,
a gente quer dinheiro e felicidade.
a gente não quer só dinheiro,
a gente quer inteiro e não pela metade."
(Música Comida, dos Titãs)

O mundo moderno vive a experiência do cosmopolita, do universal. Neste espaço sem fronteiras e marcado por uma tradição racionalista vemos crescer os questionamentos e as práticas sobre o divino, o espiritual. A outra essência do homem. Fruto do fim do milênio? Pode ser. A construção de um mundo melhor, a harmonia entre os homens, e estes com a natureza estiveram sempre presentes, e foi bandeira dos que viveram o começo da Era de Aquários.
A busca de uma prática comunal faz nossas questões terem a marca do universal. Portanto, mais do que expoentes, homens de seu tempo. E nada mais do nosso tempo do que a relação que estabelecemos com o dinheiro, símbolo que permeia a nossa vida, mesmo se dormindo ou estando acordados. Porque em Tóquio já é amanhã.
E são as relações materiais e simbólicas com o vil metal o centro das discussões do Rabino Nilton Bonder neste seu segundo livro. Uma trilogia que se baseia na afirmativa rabínica que "uma pessoa se faz conhecida através de seu copo, bolso e ódio". Judeus e não judeus, homens deste tempo e personagens deste livro são convidados a pensar sobre o mercado que é suas vidas. Um mundo regido pelo patamar das trocas materiais e afetivas que exercitamos a todo momento.
Na busca de possuirmos um saldo positivo desta experiência - de vida e de mercado -, é que faz Bonder esboçar um modelo. Ou melhor, a desvendar as regras que definam o mercado e o caminho possível de termos bons resultados. E como em todo mercado há contratos, o rabino nos sugere precaução ao escolher os sócios (companheiros de viagem) e assinar contratos (regras do viver), pois o sucesso depende da forma que damos desde o começo da jornada.
Revisitando as tradições judaicas e axperiência dos antigos rabinos que há 20 séculos atrás já se preocupavam em estabelecer as regras do conviver, o nosso contemporâneo rabino Bonder sai das paredes fechadas da sinagoga para conversar sobre as dificuldades da vida moderna. Inspirado no Talmude1 e um pouco da filosofia Zen (e por que não?), desenha um bonito diálogo entre as questões de nosso mundo e tempo, e os conselhos dos antigos rabs.
Com toda certeza as passagens mais bonitas deste texto são as que o autor exemplifica com as palavras destes grandes mestres. Histórias corriqueiras, casos do dia-a-dia que expõem as dificuldades universais do homem com o mundo, e demonstram a força da fé, do lúdico, do mágico na nossa existência.
Mesmo com a distância do tempo cronológico que os separa, Bonder e os antigos rabinos estão sintonizados numa mesma preocupação: na existência e na qualidade do futuro por vir num mundo em crises de ética e moral. Vinte séculos os separam, nos separam e temos a impressão que as questões dos homens são atemporais. Nos fazendo retornar à idéia do universal.
Se para alguns é a política que define as regras, para outros é a religião. Ambos podem ser a orientação prática para coneguir estar aqui. Sendo este o mundo das trocas, é rico também poder trocar com o passado. Nada mais passado do que a Bíblia, e nada mais atual do que voltar aos clássicos.

1. Livro redigido contemporaneamente ao surgimento do cristianismo e que serviu como uma ilusão de pátria ubíqua, pois onde quer que se esteja possui-se as regras comunais de manutenção das tradições.

Beatriz Kushnir é mestranda em História na Universidade Federal Fluminense.