JUDAÍSMO LONGE DOS ESTEREÓTIPOS NA VISÃO TRANQÜILA DE BONDER
O GLOBO
Daniel Schenker Wajnberg

Nilton Bonder não anda de preto, não usa chapéu e óculos, não tem barba e... é rabino. Fugindo dos estereótipos, ele vem defendendo uma visão mais ampla da religião - tentando desvincular a tradição do peso que normalmente a acompanha.
Há várias formas de se entrar em contato com Bonder: na Congregação Judaica do Brasil (CJB), onde está centralizado, em reuniões informais, em boa parte freqüentadas por jovens, e através dos livros que publica. Agora mesmo acaba de sair o 110 exemplar, intitulado "Exercícios d' alma" (Editora Rocco).

A trajetória de Nilton como escritor ilustra bem o caminho que procura seguir. Inicialmente, começou a escrever como um complemento à função de rabino num esforço para se comunicar diretamente com a comunidade judaica. No entanto, para sua surpresa, o público leigo foi o primeiro a se interessar. "A cabala da comida", "A cabala do dinheiro" e "A cabala da inveja" se transformaram em "best-sellers", ao passo que "O segredo judaico de resolução de problemas" chegou a ser adotado como livro de lógica em algumas universidades. Independentemente do sucesso que tenham alcançado, os livros procuram solidificar um elo com o presente - tendo em vista que os preceitos religiosos são expostos na sua universalidade. "Vejo o judaísmo como um patrimônio da humanidade", afirma.

Em "Exercícios d'alma", estruturado como um livro de pequenas crônicas, Nilton Bonder procura acoplar "a idéia de tempo à de sabedoria. Na vida, há três formas de mudanças possíveis: a transformação através do tempo, da sabedoria ou das vivências que vamos acumulando. Por exemplo: se você fica parado, o tempo passa do mesmo jeito e automaticamente acaba se transformando - não é mais a mesma pessoa. E o que é sabedoria? É pegar o senso comum e mostrar o contrapé. Tomar a pessoa mais crítica em relação ao próprio bom senso e, assim, propiciar uma transformação", explica.

Ser rabino não foi uma opção clara para Nilton Bonder desde o início - e não é à toa que não encare o rabinato apenas como uma profissão. "Nos anos 70 as pessoas faziam engenharia ou medicina. Era o Brasil da ditadura, mais esperançoso e também oprimido", lembra. Bom, Nilton fez engenharia, mas não demorou para
perceber que não gostaria de viver daquilo. Já interessado pela história judaica e ciente do fato de não haver uma sólida formação rabínica no Brasil, preparou as malas e foi para os Estados Unidos" em 1981, lá onde as coisas estavam acontecendo". Voltou para cá em 86, foi rabino da ARI durante dois anos e meio e participou da formação da CJB em 88, hoje localizada na Barra. "A vinda para a Barra oferecia várias vantagens: um lugar sem entidades judaicas, que não me obrigaria a competir diretamente com outras sinagogas e onde eu teria mais liberdade e independência", opina.

E foi justamente por contar com liberdade e independência que Nilton conseguiu crescer e conquistar adeptos. "A tradição judaica sofreu distorções no decorrer do tempo. Talvez as pessoas não se identifiquem com a tradição do avô, mas do tataravô. Para muitos judeus, andar de preto traduz a legitimidade do judaísmo; para mim soa pesado porque não parece ligado apenas à humildade, mas também à opressão", declara. Tenha certeza: Nilton Bonder não anda de preto, não usa chapéu e óculos, não tem barba... e é rabino.